Prisões
dos ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho revelam a
decadência do Estado que há pouco tempo era o centro das atenções.
- Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, é preso pela Lava Jato
- Centro do Rio vira campo de batalha em ato contra pacote de austeridade
- Rio de Janeiro, da euforia à depressão
- Ex-governador do Rio Anthony Garotinho é preso pela PF
“Esse Sérgio Cabral é o maior mico que o Rio de Janeiro já teve”. Faz três anos que o ex-governador do Rio Anthony Garotinho ridicularizava em uma entrevista à revista Piauí
os desmandos, farras e relações promíscuas do também ex-governador com
empresários. Foi Garotinho (PR) quem vazou as fotos de Cabral (PMDB) em
uma luxuosa festa de 2009 em Paris onde construtores e secretários do
seu Governo fundiam-se em abraços regados de champanhe e guardanapos na
cabeça. Em uma nova interpretação do sujo falando do mal lavado, os dois foram presos preventivamente
em menos de 24 horas e, com suas prisões, revelou-se a decadência de um
Rio de Janeiro que passou de ser centro das atenções internacionais
pelos eventos esportivos e a exploração do pré-sal, a um Estado à beira
do colapso financeiro carcomido pela corrupção.
Saiba mais
GAROTINHO PRESO
Sérgio Cabral Assim como o Estado que governou por quase dois mandatos
(de 2007 a 2014), a gestão de Cabral também viveu seu auge e sua queda.
O peemedebista era considerado pelos seus aliados como o melhor
governador que o Rio já teve, costurou alianças com Lula e Dilma Rousseff
que trouxeram uma chuva de milhões para o Rio e foi o impulsor da
criação das Unidades da Polícia Pacificadora (UPP) conseguindo, pela
primeira vez, reduzir as taxas de homicídios abaixo de 30 mortes por
cada 100.000 habitantes. O programa hoje não é mais sinônimo de boa gestão,
mas na época encantou as elites cariocas aterrorizadas com a violência.
O próprio Cabral, que destinava boa parte da sua agenda a viagens
internacionais e nacionais não divulgados, gabava-se em público da
combinação de “legalidade, moralidade e transparência” como a chave de
sucesso na administração publica.
DO ANEL DE 800.000 REAIS ÀS VIAGENS DE HELICÓPTERO
Mas
o jeito de Cabral de fazer política, hoje detalhado em um mandado de
prisão de 124 páginas, era questionado há anos por detratores e
jornalistas. A lista de suspeitas é extensa, dos contratos milionários
do escritório da mulher Adriana Ancelmo, a maioria vindos de
concessionárias e prestadoras de serviço ao Governo do Rio, passando
pelos viagens de lazer no helicóptero oficial do ex-governador, a compra
caríssimos presentes, como o anel de 800.000 reais entregue à
primeira-dama, mas pago com o cartão do empresário preso Fernando
Cavendish. Cavendish, presente naquela famosa festa dos guardanapos de
Paris, era dono da construtora Delta, beneficiada por Cabral, segundo as
investigações, nas licitações públicas do Estado.
Já em 2010, a Folha de S. Paulo revelou que havia indícios de cartel das principais construtoras hoje envolvidas na Lava-Jato
(Odebrecht, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão) para conquistar a
licitação do Programa de Aceleração do Crescimento em três grandes
favelas do Rio. O projeto é hoje alvo de investigação da Polícia Federal
depois de que os delatores da Andrade Gutierrez revelassem que 5% do
valor das obras foram destinadas a propina – em espécie, presentes e em
doações a campanhas – para o ex-governador. Segundo as investigações,
Cabral também recebeu propina, chamadas por ele de “oxigênio”, da
superfaturada reforma do Maracanã para sediar a Copa do Mundo de 2014,
das obras da rodovia Arco Metropolitano e dos trabalhos de terraplenagem
do complexo petroquímico Comperj, cuja construção está parada desde o ano passado.
Entre
as empresas beneficiadas fiscalmente por Cabral, havia boates e
cabelereiros, entre eles o responsável pelos cuidado do cabelo da então
primeira-dama
As
isenções fiscais – hoje no centro do debate sobre a desastrosa situação
financeira no Estado – que Cabral outorgou a um nutrido grupo de
empresas amigas também foram questionados pela Folha em 2011. A reportagem revelava que entre 2007 e 2010 o montante de renúncias fiscais cresceu 72%
chegando a 50 bilhões de reais, mais da metade do valor da receita
tributária desse período. Entre as empresas beneficiadas, havia boates,
cabelereiros (entre eles o responsável pelos cuidado do cabelo da então
primeira-dama, obrigada pela Justiça a depor), motéis, mercearias,
padarias e postos de gasolina.
Até
hoje, e apesar do seu nome pipocar em diferentes episódios de supostos
desvios de dinheiro público, Cabral sempre negou as acusações e
manifestou indignação e repúdio ao envolvimento do nome dele com
qualquer ilícito. Todas as acusações terão de ser provadas se o
ex-governador vier a responder formalmente pelos crimes.
“As
prisões de dois ex-governadores, embora seja por crimes distintos, dá
indícios de que a crise que o Estado atravessa e que afeta a população
como um todo tem relação com os desmandos políticos dos seus
governantes. As prisões estão em um contexto de muita apreensão, pois
estão sendo discutidas medidas que implicam sacrifícios, enquanto vê-se
muito dinheiro envolvido em supostos esquemas de corrupção”, avalia o
cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio.
Além
dos 5% de propina que Cabral cobrava das construtoras, as delações
premiadas dos empresários da Andrade Gutierrez e da Carioca Engenharia
apontam que, desde 2008, o ex-governador recebia mesadas das
construtoras de 350.000 reais e 500.000 reais respectivamente. Como em
outros casos da Lava Jato, não faltam vozes que questionam o uso de prisão e da condução coercitiva pela Justiça que, na visão de parte dos especialistas, só deveria ser usada em casos excepcionais.
O GOVERNADOR MAIS IMPOPULAR DO PAÍS
O fim político de Cabral chegou com as manifestações de junho de 2013.
Tornou-se alvo dos protestos e um grupo de manifestantes acampou na
frente do seu prédio no rico bairro do Leblon. Passava de ser um
governador com projeção nacional como possível vice de Dilma Rousseff a
ser o governador mais impopular do país, com apenas 12% de aprovação.
Ele acabou deixando o governo oito meses antes do fim do mandato para
facilitar a eleição do seu vice e sucessor, Luiz Fernando Pezão, mas
continuava, até hoje, sendo peça chave nas decisões tomadas pelo PMDB do
Rio, além de manter pessoas do seu grupo em posições de influência no
Governo Michel Temer, como o ministro dos Esportes, Leonardo Picciani.
Para
César Maia, “a ausência de oposição efetiva por vários anos criou a
sensação de que tudo era possível. Leis tramitavam como decreto e os
poderes executivo e legislativo atuavam como um só poder”
O
ex-prefeito e hoje vereador do Rio, César Maia, férreo crítico de
Sérgio Cabral, avalia “institucionalmente” as prisões dos dois
ex-governadores. Para Maia, “a ausência de oposição efetiva por vários
anos criou a sensação de que tudo era possível. Leis tramitavam como
decreto, não foi criado nenhum sistema de controle interno e os poderes
executivo e legislativo atuavam como um só poder”. Maia também culpa a
imprensa, os empresários e o Governo federal. “Existia a expectativa de
que o Rio de Janeiro
vivia um novo e longo ciclo expansivo e levou à imprensa a se associar
ao projeto e não cumprir sua função de controle. Os empresários
acreditaram nisso e também se associaram, e o Governo federal se tornou
sócio desse otimismo e vitórias eleitorais financiaram a
irresponsabilidade fiscal”.
Garotinho,
acusado de usar um programa social para comprar votos no município
fluminense Campos dos Goytacazes, onde governa sua mulher e
ex-governadora Rosinha Garotinho, continua disparando contra Sérgio
Cabral, ainda preso. O blog do político, condenado em 2010 por formação
de quadrilha e aliado de Marcello Crivella na sua campanha vitoriosa pela Prefeitura carioca, rezava hoje assim em mais uma versão do sujo falando do mal lavado: “Cabral é preso por corrupção de 224 milhões, bem diferente de Garotinho, acusado por dar Cheque Cidadão aos mais humildes”.
O perfil da revista Piauí
no qual Garotinho ironiza Cabral começa com uma cena que tinha algo de
premonitório. Nela, Sergio Cabral, o atual governador, Luiz Fernando
Pezão, e o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Jonas Lopes
Carvalho, recém absolvido pelo suposto recebimento ilícito em troca de
votos para beneficiar uma empresa, ficaram presos num elevador. Carvalho
suava silencioso porque sofria com claustrofobia, Pezão tentava forçar a
porta com palavrões e Cabral testava seu jeitinho apertando o botão de
um outro andar para ver se o aparelho subia. Três eternos minutos
depois, o grupo foi finalmente resgatado pelos bombeiros, coletivo hoje
em pé de guerra contra os severos ajustes fiscais promovidos pelo
Governo, e Cabral, liberado e divertido, brincou: “Só faltava eu ficar
preso, né?”.
Fonte: El Pais e G1
Por Edmilson Moura
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