A Proposta da desigualdade social. Pois é uma das principais bandeiras do Governo de Michel Temer, a Reforma da Previdência,
vem sendo bastante questionada antes mesmo de entrar em votação
definitiva. A proposta do Governo foi apresentada no final do ano
passado, e tem gerado debates acalorados, inclusive na base aliada do
presidente dentro do Congresso. Na comissão da Câmara que começou a
tratar do assunto, os deputados já divergiram sobre os números que
embasam a reforma da Previdência. O projeto de Temer contém mudanças que
irão dificultar o acesso à aposentadoria e diminuir o valor de alguns
benefícios. Ainda que as medidas ajudem a conter parte do rombo da
Previdência, a maioria dos especialistas ouvidos pelo EL PAÍS avaliam
que, caso a emenda seja aprovada como está desenhada, ela deverá
acentuar a desigualdade no Brasil.
Uma
das maiores críticas está relacionada ao aumento de anos de
contribuição para receber o teto da aposentadoria integral, que pode a
vir ser de 49 anos. Hoje, recebe aposentadoria integral quem obedece à
chamada fórmula 85/95: a soma do tempo de contribuição à previdência
enquanto esteve trabalhando, mais a idade do beneficiário. O resultado
dessa conta tem de ser superior a 95 no caso dos homens, e 85 no caso
das mulheres. Em média, os brasileiros hoje se aposentam aos 58 anos.
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Ruy
Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em
sociologia do trabalho, avalia que o atual projeto não atende à
realidade brasileira já que ignora o real funcionamento do mercado de
trabalho. Para o professor, essa medida deixará de fora do benefício uma
grande parcela da população mais pobre que não possui emprego formal.
“O mercado de trabalho brasileiro combina formalidade e informalidade. O
trabalhador [com emprego precário] tem enorme dificuldade de manter, ao
longo da vida, a contribuição previdenciária em dia já que perdem o
emprego rapidamente. Há uma rotatividade muito grande do trabalho”.
Braga
ressalta ainda o fato de muitos desempregados acima de 50 anos terem
dificuldade de se recolocarem no mercado. Apenas 29,1% dos brasileiros
com 60 anos ou mais de idade estão trabalhando atualmente, segundo o
IBGE. O dado revela o caminho árduo que os brasileiros irão enfrentar
para conseguir o benefício integral do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS ), que hoje é de 5.189,82 reais.
O
economista Nelson Marconi concorda que, ao alongar o prazo de
contribuição dos trabalhadores, o Governo tenha exagerado na dose. “O
que essa regra está definindo é um valor proporcionalmente menor para o
benefício, pois será muito difícil a pessoa contribuir por tanto tempo
antes de se aposentar”, explica. Segundo Marconi, se a regra for
aprovada, a maioria da população vai se aposentar com um tempo de
serviço menor que 49 anos e não conseguirá obter um valor de
aposentadoria igual à média de suas últimas remunerações, mas inferior.
O que deve mudar na aposentadoria
Nova regra da idade mínima
A
PEC proposta pelo Governo fixa uma idade mínima de aposentadoria de 65
anos tanto para homens quanto para mulheres (atualmente mulheres podem
se aposentar aos 60).
Mudanças no cálculo do benefício
COM
A NOVA REGRA O CÁLCULO DO BENEFÍCIO PASSA A SER EQUIVALENTE A 76% DA
MÉDIA SALARIAL MAIS UM PONTO PERCENTUAL POR ANO DE CONTRIBUIÇÃO
ADICIONAL (ALÉM DOS 25 EXIGIDOS). LOGO, PARA TER DIREITO À APOSENTADORIA
INTEGRAL SERÁ PRECISO SOMAR 49 ANOS DE CONTRIBUIÇÃO.
Servidores públicos
Funcionários públicos podem passar a seguir as mesmas regras que os trabalhadores de empresas privadas
Pensão por morte
Pelo
texto da PEC, a pensão por morte, tanto para funcionários públicos
quanto para os demais, deixa de ser integral. O valor passa a ser de 50%
do benefício recebido pelo segurado falecido, acrescido de 10 pontos
porcentuais por dependente até o limite máximo de 100%.
Em
um país marcado pela disparidade entre as expectativas de vida, a
proposta de fixar uma idade mínima de 65 anos também ignora os
descompassos regionais e os muitos “brasis” existentes no país. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre
os estados brasileiros há uma diferença de 8,4 anos entre a maior
expectativa de vida, registrada em Santa Catarina, e a menor, no
Maranhão. Enquanto a esperança de vida dos catarinenses é 79 anos a dos
maranhenses é de 70,6 anos. Se a expectativa for analisada sob a ótica
dos municípios, a desigualdade é ainda maior. Caso a reforma já valesse
atualmente, em 19 cidades do país, cuja média de esperança de vida é de
65 anos, os trabalhadores não conseguiriam se aposentar.
“A
proposta como um todo representa um retrocesso, ela acentua a
desigualdade. A pior maneira de você combater a desigualdade é tratar
todos os desiguais como iguais. Há estados, principalmente das regiões
Norte e Nordeste, que terão seus direitos de aposentadorias cassados”,
explica Braga.
Os
especialistas enxergam, ainda, outra distorção na proposta do Governo
que prevê a fixação de idade mínima de 65 anos para a aposentadoria.
Isso seria uma injustiça com os mais pobres, uma vez que eles começam a
trabalhar mais cedo que os mais ricos e, portanto, teriam que trabalhar
por mais anos. O pesquisador Rogerio Nagamine Costanzi, do Ipea, no
entanto, rebate a teoria. Segundo ele, apesar de entrarem mais cedo no
mercado, os trabalhadores de baixa renda costumam atuar mais tempo na
informalidade, sem carteira assinada e sem contribuir com o INSS. Por
isso, já não conseguem optar pela aposentadoria por tempo de
contribuição e se aposentam por idade.
“Na
verdade quem conseguia se aposentar antes com tempo de contribuição
eram os mais ricos, que conseguiam trabalhos formais. Essa medida afeta
mais as pessoas mais ricas do que as mais pobres”, explica Rogério. Para
o pesquisador, muitas vezes a regra atual permite uma aposentadoria
precoce para pessoas com plena capacidade laboral, subvertendo o papel
da previdência.
Benefícios achatados
Com
os trabalhadores se aposentando mais tarde e com benefícios reduzidos, o
Governo espera livrar os cofres públicos de um déficit de 740 bilhões
nos primeiros dez anos após a aprovação da reforma. As mudanças impostas
para reverter a crise financeira, no entanto, tendem a trazer um
conjunto de injustiças sociais, segundo Sonia Fleury, professora da FGV.
“ Não se pode olhar apenas a questão financeira e sim que tipo de
sociedade queremos. Essas mudanças estão sendo impostas de uma forma
açodada e não está sendo discutida com a população. Há injustiças em
relação à questão de gênero e grupos mais vulneráveis como os
agricultores”, explica.
Hoje,
o trabalhador rural se aposenta com 60 anos (homens) e 55 anos
(mulher), precisando comprovar 15 anos de trabalho no campo. Se estiver
na categoria de produtor rural, contribui com um percentual de 2,1%
sobre a receita bruta da sua produção. Se a reforma for aprovada, os que
apenas trabalham no campo passarão a contribuir com o INSS e também
terão que se aposentar a partir dos 65 anos, com 25 de contribuição.
“O Banco Mundial e
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estudaram a
aposentadoria rural como uma das formas mais eficientes de
redistribuição de renda e de menos desigualdade entre a zona rural e a
urbana. Com essas mudanças, vamos ver as pessoas saindo ainda mais do
campo”, afirma Fleury.
Outro
ponto controverso da reforma é a alteração nas regras do Benefício de
Prestação Continuada (BPC), recebido pelos portadores de deficiência e
idosos com mais de 65 anos que não contribuíram com a Previdência (ou
que tinham renda inferior a um quarto do salário mínimo, ou 234 reais).
Pela nova proposta, a idade mínima para requerer o benefício,
equivalente hoje a um salário mínimo, será de 70 anos. O valor também
ainda será definido por lei e pode ser menor que o atual.
O
Governo precisa ainda estabelecer um novo patamar de renda para acesso
ao BPC porque, em 2013, o Supremo Tribunal Federal(STF) considerou
inconstitucional o critério de um quarto do mínimo, por considerar que
esse critério está defasado.
Atualmente,
4,2 milhões de pessoas recebem o BPC, ao custo anual de 39,6 bilhões de
reais. “Estão dificultando e cortando um benefício de pessoas mais
pobres quando deveriam cortar privilégios de alguns setores mais ricos, como dos militares [que ficaram fora da reforma]. O tipo de valor dessa reforma não é de equidade social e justiça.
A Proposta da desigualdade social, a Reforma Tiro no pé.
Texto e edição Edmilson Moura
Redação/REBELDE SOLITÁRIO
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