Luiz Gonzaga - 100 anos





LuizGonzaga em Exu com Álvaro Braga e familiares
Na ida para o churrasco passaram na casa de Zé Arruda e Luiz Gonzaga,
no Castelo do Giz, bebeu uma cachaça da terra devidamente acompanhada por um tira-gosto de caju, oferecido pelo Duque anfitrião,
conta Mandim Brasil e Kaburité. Muitas pessoas visitaram Luiz Gonzaga na casa do senhor Airton Alencar e dona Maria Bílio
*Álvaro Braga

            Dia de Santa Luzia, 13 de dezembro de 1912. Há cem anos nascia Luiz Gonzaga do Nascimento, esse valoroso sertanejo que transmitiu para o mundo todo as belezas do nordeste, fazendo com que a força desse povo singular fosse admirada e respeitada.
            Luiz "Lua" Gonzaga visitou Barra do Corda em duas ocasiões. Em todas, veio a convite de seu amigo Airton Alencar, comerciante de Exu, que se radicou em Barra do Corda no final dos anos 50. A viúva, senhora Maria Bílio lembra como foi a primeira visita do Rei do Baião em 1967:
            "Me lembro que o Luiz Gonzaga esteve aqui a convite do Airton e ficou contratado um show à noite na quadra do Colégio Pio XI. Não houve o show devido a desentendimentos com a direção da Escola que estava com medo da multidão de gente quebrar as coisas de lá. Então Airton intercedeu, comprou o show e trouxe o Luiz para tocar em frente nossa casa que ficava na praça Getúlio Vargas. Me lembro que ele tocou em cima de um caminhão acompanhado por três amigos que andavam com ele. Nunca esqueci dele tocando a música "No Meu Pé de Serra". Ele gostava de comer beiju, era eu fazendo e ele comendo. Também gostava de bolo frito, bolo de caroço, bolo podre, cuscuz de milho, leite, ovos e cuscuz de arroz. E o Airton deu uma pinga especial que ele adorava. Quando ele recebeu o pagamento do show, muitas pessoas vieram oferecer para ele um caminhão cheio de lenha como presente e outros com mais posses ofereceram um caminhão de arroz. O Gonzaga generoso como só, disse: - Airton, transforma tudo em arroz: dinheiro e lenha, que vou levar pra dar de comer a meu povo! E assim foi feito. Foram três caminhões daqui da Barra levando o arroz para ele distribuir para a pobreza do Exu. O Airton foi levando um, o Chico do Exu levou outro e um motorista levou mais outro.”
            O memorialista e poeta Heider Moraes lembra que ainda criança viu o Rei na antiga casa de morada da família de Airton Alencar e de Maria Bílio, atual casa da família de Ventura, levado pelo falecido Zé Airton, um dos filhos de Zequinha Alencar, primo e cunhado de Airton Alencar:
            "O Zé Airton nos levou (um a um pois éramos um grupo de mais ou menos sete amigos) ao interior da casa do Airton Alencar pra conhecer o Luiz Gonzaga... Tinha muita gente em volta e a gente ficava de longe, feliz da vida, apreciando aquele que já era grande e só ouvíamos pelo rádio...
            À noite, naturalmente não daria pra entrar no Pio XI, penso que era pago e era muito caro o ingresso. Então devida à confusão, foi adaptado um caminhão na praça Getúlio Vargas, Luiz Gonzaga cantou muitas músicas... Na minha mente, acho que ele estava vestido à caráter em trajes de vaqueiro. Lembro que era muita gente em volta do caminhão. Gente inclusive com discos na mão, que levantava, demonstrando que eram fãs... Acho que passou das 23h, porque eu dormi debaixo daquele caminhão que ele estava cantando... Acabou o show, alguém disse: - Acorda, menino, vai pra casa!...
            No dia seguinte, era o que se falava na escola Pio XI. E por muitos dias era o que se ouvia as pessoas lembrando de detalhes do show."
            Por muito tempo especulou-se o real motivo da confusão que culminou com o cancelamento do show de Luiz Gonzaga no Pio XI. Alguns chegaram a atribuir o motivo ao descontentamento de Frei Virgínio, com o aval de Dom Marcelino, com um princípio de baderna popular que teria se formado antes do show.
            Joaquim Bílio também relembra essa primeira visita do Rei do Baião à Barra do Corda:
            "Me lembro que havia muita gente na casa do Airton, meu cunhado, e lá estava também o maestro Moisés, o Zequinha Alencar e o Zé Arruda. Chegamos a fazer uma pequena apresentação para ele, que gostou demais. Tocamos a Canção Cordina e outras músicas. Ficou impressionado com o talento musical de Moisés, que conhecia todos os instrumentos.
            Fui presenteado na ocasião com o livro "O Sanfoneiro do Riacho da Brígida", de Sinval Sá, que ele havia lançado um ano antes, em 1966, no qual me fez uma dedicatória.
            Perguntei a ele o que ele achava de minha idéia de gravar um disco. Ele me desestimulou, dizendo que era uma coisa muito difícil. Até acho que naquela época era mesmo. O fato é que sepultei essa vontade depois dessa conversa."
            Quando Luiz Gonzaga se despediu de Barra do Corda em 1967, ele prometeu: - Um dia eu volto, hein!
            E voltou mesmo. Em 24 de setembro de 1983, para receber o título de cidadão barra-cordense e diversas homenagens.
            O título foi solicitado na Câmara pelo vereador Zezico Cavalcante, atendendo à pedido do falecido empresário Airton Alencar, que gostaria de homenageá-lo. A mesa autorizou o requerimento.
            Na operação muito contribuiu o empresário João Claudino, dono do Armazém Paraíba, amigo e parceiro de Luiz Gonzaga em outras ocasiões. João Claudino, em data posterior também foi agraciado com o título de cidadão cordino, uma estratégia dos vereadores da época que desejavam que ele ampliasse seus negócios em nossa cidade e gerasse mais empregos.
            Luiz Gonzaga chegou à Barra do Corda acompanhado de uma empresária e três amigos que tocavam triangulo, pandeiro e zabumba em um ônibus da Transbrasiliana, fretado especialmente para sua estadia na cidade, que estacionou ao lado do Correio e ficou hospedado na casa de seu amigo Airton Alencar. Depois disso, Luiz, trajado de branco, chapéu de couro pequeno e usando óculos escuros, se dirigiu à Câmara de Vereadores de Barra do Corda para ser homenageado.
            Foi recepcionado por vaqueiros trajados à caráter que, em seus cavalos, tendo à frente o vereador Edmar Linhares, saudaram o Rei do Baião na frente da antiga Câmara, com portas para a frente da casa de Eurico Maciel. A recepção à ele deve muito ao esmero de Raimundo José, Pedro Nolace, Leandro Cláudio, João Pedro Freitas da Silva e Airton Alencar que não mediram esforços para fazer uma acolhida especial.
            Na ocasião, além de Luiz Gonzaga, receberam o diploma de cidadão cordino o senhor Leandro Cláudio da Silva, através de solicitação do vereador Edmar Linhares e Adalberto Leite Brasil; e o jornalista Antônio Carlos Gomes Lima, o Pipoca, através de requerimento do vereador Henrique Orleans Queiroz.
            Henrique Orleans também havia protocolado pedido de título de cidadão cordino para Paulo Salim Maluf e para Edson Lobão. Justificou o pedido a Maluf afirmando que Maluf contribuiu para que o corpo de Fernando Falcão viesse logo para Barra do Corda, após ter falecido na capital paulista de enfarto, ao atrasar em uma hora um voo internacional da Vasp que, saindo de São Paulo, faria escala em São Luís. Maluf também conseguiu o caixão para Fernando Falcão. O título foi concedido e posteriormente enviado à Maluf. Lobão também foi agraciado com o título de cidadão e veio recebê-lo em outra data. Henrique afirma que inicialmente foi contra o título a Gonzaga, mas depois assinou o requerimento.
            Adalberto Leite Brasil foi outro que lembra dos títulos daquele dia: "Eu me pronunciei contra o título a Luiz Gonzaga justificando: Como é que vão conceder um título a uma pessoa que vem aqui tocar um forró?" Mas acabou assinando. Lembra também que na época foi proposto um título ao coronel Alcindo.
            A sessão solene teve início com o auditório lotado. Era época de governo de Elizeu Chaves Freitas e o presidente da Câmara era o vereador Joaquim Veríssimo a quem coube a honra de assinar todos os diplomas concedidos naquele dia.
            Oradores se revezavam e o senhor Pedro Nolace lembra: "Primeiro, o Rei foi saudado por Domingos Augusto que era o mestre de cerimônias e a seguir falaram João Pedro Freitas e José Nogueira Arruda. Depois discursaram os que haviam recebido o diploma: o titular do cartório e desportista Leandro Cláudio da Silva e o jornalista Antônio Carlos Lima. Na vez de Luiz Gonzaga falar ele agradeceu a todos pela recepção e da honra de voltar mais uma vez à Barra do Corda onde morava seu compadre Airton Alencar e disse: - Meus amigos, eu não tenho o dom da oratória, eu não sei discursar, o que eu sei é cantar! E cantou sem acompanhamento musical a música Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense: "Não há ó gente, ó não, luar como esse do sertão", e regeu o povo presente, que cantou junto com ele. Ele ainda cantou a música “Sonho”, recente composição.
            Além das funcionárias Suely e Fátima estavam presentes na ocasião o então vereador Gerôncio, do Centro dos Ramos; senhor Pantaleão; Mandin Brasil; vereador Bena Almeida; Frei Luiz Rota; empresário Airton Alencar; empresário Dorgival Castro; Raimundo José; Chico Afonso; Pedro Nolace; vereador Pantaleão; vereador Zezico; vereador Henrique Orleans, vereador Joaquim Veríssimo, vereador Domingos Augusto; vereador João Chaves Freitas; vereador Antonio Amorim (Tonheiro); Adalberto Leite Brasil; José Arruda; vereador Edmar Linhares; vereador Jeferson Nepomuceno e muitas outras pessoas.
            Após o evento seguiram para o Guajarara Clube para descontraírem um pouco com boa música boa comida e boa bebida. Gonzaga ficou muito feliz e chegou mesmo a dançar naquele piso famoso.
            Após a descontração no Guajajara Clube, ele foi levado pelo senhor Leandro Cláudio para dar o pontapé inicial em um logo do Grêmio no estádio Aliança, mais conhecido como Jesualdão, ao lado do Diocesano. Foi todo de brim branco e chapeuzinho de couro pequeno.
            Zezico, autor do título de cidadão ao Rei do Baião relembra: “Depois do Guajajara fomos ao Estádio ali do Nossa Senhora de Fátima e ele cantou e participou da Missa do Vaqueiro. As músicas foram: Sanfona Branca, Boiadeiro e Karolina com K”. Depois fomos até a Rádio Guajajara, onde ele foi entrevistado”.
            Dorgival Castro lembra do radialista que o entrevistou: “- Foi o Osmar Santos”.
            O senhor Peres, ferreiro: - “Ele tocou a música Karolina com K e a sua sanfona era branca muito bonita. Na hora que o Luiz chegou mais o seu Leandro uma pessoa disse: - Seu Luiz o senhor tá muito parecido com o seu Leandro! Gonzaga respondeu: - Ôxe! Qual o que? O Leandro é um véi, rapaz!”
            O Batista, da Caema, afirma que o jogo foi Grêmio x Moto Clube. E que o Moto saiu na frente, mas o Grêmio fez dois gols e virou o jogo e houve um princípio de confusão pois o Moto achou que o juiz (Timbó) estava tomando a partida para o time de casa e ameaçaram abandonar a partida. Depois disso chegaram a empatar e terminou 2 x 2. Ainda recorda que depois do jogo foram beber na Calçada Alta e no Bar do Mocado (atual Elzir Calçados) e um jogador do Moto, o Gaspar ficou bebendo cachaça com eles e banhando no Porto da Rampa. Não queria mais ir embora da Barra.
            O professor Benones, que também era atleta do Grêmio recorda que não estava presente naquele jogo, mas acha que o adversário do Grêmio era um time local.
            Na mesma noite ele fez um show no Clube das Samaritanas (Maçonaria). O senhor Pedro Nolace lembra: "Fui buscar Luiz Gonzaga na casa de seu Airton em minha belina branca e o levei para a Maçonaria à noite. Ele estava cansado e tocou poucas músicas, mas a festa continuou noite a dentro. Ele pediu desculpas, alegando dores no joelho, depois de um dia intenso de homenagens e recordo bem de três músicas que ele tocou: Asa Branca, Assum Preto e Aquilo Bom.
            No outro dia pela manhã houve um magnífico churrasco de um carneiro gordo na Maçonaria para homenagear o Rei e foi muito animado. Deu muita gente que veio conhecer o Rei, abraçar e tirar fotos.
            Na ida para o churrasco passaram na casa de Zé Arruda e Luiz Gonzaga, no Castelo do Giz, bebeu uma cachaça da terra devidamente acompanhada por um tira-gosto de caju, oferecido pelo Duque anfitrião, conta Mandim Brasil e Kaburité.
            Muitas pessoas visitaram Luiz Gonzaga na casa do senhor Airton Alencar e dona Maria Bílio. Lá estavam os filhos Aurílio, Airtinho e Selma. Também Zilmar Arnaldo Alencar, Raimundinho Carvalho, sogro da Haydine, Elizeu Freitas e dona Nery, Dilamar Medeiros e esposa Graça; Fátima Arruda e muitos outros. Tiraram muitas fotos.
            Dona Maria Bílio recorda ainda: “Ele gostou muito da cidade e daqui de casa, era uma alegria só. De manhã ele comeu muitas tapiocas de côco e pãozinho com café e leite. Fiz um bode no leite de côco que ele comeu demais. Também preparamos dois peixes diferentes, liro e surubin que ele gostou muito. O Airton preparou uma cachaça especial e ele sempre dava uma provada. Depois no porto do quintal aqui de casa ele disse: - Airton, eu vou banhar no rio. Vestiu um calção e desceu para o Mearim. Airton foi com ele, e amarrou uma corda na cintura dele. A corda era daquelas grossas e ele sorria muito e nadou e o Airton puxava quando a correnteza tava levando. Ele se divertiu muito. Foi muito feliz aqui. Ele passou três dias e quando ele foi se despedir, recomendou ao Airton: - Olha Airton, muito cuidado com ela, viu seu cabra! Você não arranjou uma mulher não, você arranjou foi uma jóia preciosa! Tenha cuidado com ela! Dona Maria ainda recorda que o cajueiro de sua casa atual no Incra, já existia quando eles foram morar ali. E diz que ela e seu esposo Airton nunca brigaram.” Uma linda história de amor.
            Assim foi o resumo da viagem de Luiz Gonzaga à Barra do Corda.

              Em Exu
            Em 1988 eu fiz uma viagem à Juazeiro e Crato, com meu pai e irmãos. Antes passamos em Assaré e fomos comprar um livro na casa do poeta Patativa do Assaré, que inclusive é o autor de A Triste Partida, gravada por Luiz Gonzaga. Na ocasião, quando falamos que estávamos indo à Exu, Patativa disse: - Digam ao Gonzaga que estou mandando um abraço pra ele. Então solicitei a meu pai que fôssemos até a cidade de Exu para conhecer Luiz Gonzaga, que já se encontrava doente. Pedido atendido e eu levava um presente de uma fitinha K-7 com uma gravação do “velho Januário”, pai de Luiz Gonzaga, que eu havia adquirido do acervo da Radio Nacional, datada de 1952.
            Chegamos ao Exu, vimos o Posto Gonzação, fomos direto para a Pousada Parque Asa Branca. Logo ao entrarmos se via a Casa de Januário, bem cuidada casa. Um sobrinho de Luiz, chamado Joquinha Gonzaga nos levou até a casa do Rei do Baião e entramos na casa junto com esposa dele, Helena Ramos Gonzaga.
            Ao entrarmos em seu quarto, eu e meus irmãos, Simone, Ivan e Mayra, acompanhados dos irmãos Maria Gomes (segunda esposa de meu pai) e Geraldo, Luiz Gonzaga que estava deitado em uma rede foi muito atencioso com aquele seu jeitão sertanejo: - vamos entrando, vamos entrando, vamos se sentando... Oh minha neta, cadê a benção? Estão vindo de onde meus filhos? Respondi – De Parnaíba, seu Luiz e trago um presente que o senhor vai gostar. O que é? Disse ele. Uma fita de seu pai tocando em 1952 no programa de Cézar Ladeira na Radio Nacional! Ele se espantou e disse: - Pois ligue esse negócio aí pra gente ouvir! A fita já estava no ponto e ele ficou escutando e só dizendo: - Ô beleza! E ouviu sem que ninguém o interrompesse. Uma lágrima de saudade correu de seus olhos. Gostou demais e agradeceu a lembrança. Depois,  conversamos bastante e falei do abraço de Patativa do Assaré para ele, e ele ficou satisfeito: - Outro pra ele! Quando já nos despedíamos, ele falou: - Mas você não vai sair daqui de mão abanando não! E se dirigindo à esposa falou: - Ô Helena, traz aquele álbum, que vou dar um pra esse garoto que ele merece! Tiramos fotos, gravei a conversa e pedi que ele autografasse o Álbum, ele se ajeitou na rede dando alguns gritinhos de dor e sorrindo, pediu uma caneta especial dele que estava numa mesa e foi autografar a capa do disco. Me perguntou: - Qual a sua graça? Álvaro, respondi. E ele escreveu: “Para o Álvaro Braga com a amizade de seu amigo, Luiz Gonzaga, Exu, 04/10/1988.”
            Em agosto de 1989, menos de um ano após essa visita, ele morreu, deixando um imenso vazio na sua legião de admiradores. Foi a única vez na vida que vi meu pai chorar.
            Salve querido Rei do Baião, por estes 100 anos, onde estiver!

*Álvaro Braga é escritor, mora em Barra do Corda (MA)






Álbum 50 Anos de Chão que Luiz Gonzaga presenteou o Álvaro Braga
 em 1988 no Exu (PE)


Chegada de Luiz Gonzaga na Câmara de Vereadores de Barra do Corda
 para receber título de cidadão cordino

Luiz Gonzaga dançando animado forró no Guajajara Clube
 ao lado de Leandro Cláudio da Silva

Do: TB 

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