A Morte da Justiça

Há mais de um ano li um texto do escritor português José Saramago(1922 - 2010), o escrito fora lido na cerimônia de encerramento do Fórum Social Mundial 2002. As palavras ainda muito me emocionam. Poucas vezes nos deparamos com tanta sabedoria, tanta lucidez, tanta sensibilidade.

Diante desse cenário em que nos encontramos, barra-cordenses, maranhenses, brasileiros, vejo-me forçado a todo instante lembrar, as sábias palavras não param de visitar minhas memórias. O texto tem o título “Esse mundo de injustiças” e pode ser encontrado na internet. 

O conto é iniciado com a história de um camponês da cidade de Florença (aconteceu há mais de quatro séculos). Indignado por estar perdendo suas terras, sendo literalmente roubado por um senhor (algum conde ou marquês sem escrúpulos), depois de tentar todos os tipos de acordo e nenhum sucesso conseguir, resolve recorrer à proteção da justiça.

Mas nada muda. Então ele decide ir à Igreja e tocar o sino como era tocado quando alguém da cidade falecia. Quando as crianças,  as mulheres  e  os  homens  chegaram para ver por quem deveriam chorar, ele responde: "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino". "Mas então não morreu ninguém?", perguntaram, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Mas essa não deveria ser a única vez que um sino que tanto dobra pela morte de seres humanos, chorasse a morte da justiça. Porque, como também é citado, a justiça continua a morrer todos os dias.
Agora mesmo, aqui, longe daqui, enquanto eu escrevo, enquanto você lê, alguém está roubando, falsificando ou matando, e a justiça que deveria nos confortar com segurança, simplesmente não funciona. E a pouca esperança que ainda resta em nossos cansados corações também continua a morrer dia após dia.


E a justiça que esperamos, a justiça de verdade, não o teatro que tenta nos envolver em suas inúteis retóricas judicialistas que só enxerga quem tem poder econômico, mas simplesmente justiça, necessária à saúde do espírito, que não fosse uma apologia ao crime, essa está morrendo, subjugada pela imensurável força da economia globalizada.
Não falo de justiça metafísica, mas justiça humana, terrena, aquela que deveríamos esperar de um judiciário bempago, se comparado com o que ganha um professor, um professor que não pode nem dizer que as nossas escolas não funcionam, que existe sim desvio de função, que as coisas precisam melhorar, e muito.

Enquanto isso acontece, continuamos a cultivar a ilusão de achar que vivemos numa democracia. Enquanto isso acontece, o poder econômico nos consome como um verme faminto, fazendo todos ajoelharem aos seus pés nojentos.

O que fazer, então? Vamos continuar acreditando que o certo se escreve em linhas tortas. Não é boa essa idéia?! Com certeza a gente vai longe.

Agora, façamos silêncio, ouçamos o sino dobrar outra vez.


Por: Fábio Mota é escritor, mora em Barra do Corda (MA)

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